Era sua segunda semana após a requisitada transferência de região, aprovada pelo Serviço de Polícia da Escócia e pela NCA (National Crime Agency), e seus “colegas” de trabalho ainda tentavam se acostumar com a ideia de ter uma ex-modelo atuando na área de segurança e informação por ali. Annabel, porém, mantinha a soberba irreverente, fazendo jus a sua pequena fama dentro da agência. Há quem questione a presença de Annabel num órgão policial, bem como uma minoria de certa relevância questiona até mesmo a presença da loira na sociedade; livre. Todavia, a dor de cabeça de sequer pensar em dar voz a esses questionamentos é o suficiente para trazer qualquer um ao silêncio e ensina-los a engolir a altivez de Annabel, já que seu envolvimento com políticos e autoridades britânicas, apesar de esquecido pela fútil mídia sensacionalista, não passa despercebido na cabeça dessas mentes ligeiramente mais instruídas.
Engolir Annabel, contudo, é uma tarefa árdua para alguns, principalmente para sua nova companheira de trabalho, a qual ela insistia em chamar de assistente, quem ficara outra vez reclamando sozinha, enquanto Ann seguia, com toda sua arrogância, para a cafeteria do lado de fora do prédio. Aproveitando o pouco tempo que tinha de paz antes de ter que encontrar um policial de fora da Europa. Alguém que, em sua mente, não tinha valor algum, tal qual a maioria absoluta das pessoas que conhecia.
Acredita-se que a falta de empatia para com as pessoas fez com que a bela Stirling criasse certo apego pelas máquinas e pelos números. Contudo, é de conhecimento de alguns poucos e seletos indivíduos as perturbações psicológicas e de personalidade que afligem a agente. Para sorte de todos, porém, Ann se encontrava em um de seus momentos sociáveis; um dos seus dias “simpáticos”.
Logo de manhã recebera um comunicado de que um agente, que já fora do FBI, estava operando na região. O homem fora transferido do outro lado do mundo para dar mais trabalho aos dias de Annabel. Contudo, ela agradecia em silêncio por ele não ser de fato norte-americano nem negro, sendo o último um detalhe assaz importante para ela. O agente investigava um caso de assassinato envolvendo duas meninas violentamente atacadas. Bel, como os mais íntimos a chamavam, fora designada a passar algumas informações para esse tal de agente Minas, incluindo gravações das estradas mais próximas da entrada da mata onde foram encontrados os corpos. Poderia mandar alguém fazer isso, mas, curiosamente para os observadores ao seu redor, ela sempre se interessou em estar o mais próximo o possível dos casos de maior repercussão.
Já havia se passado algum tempo desde que Ann terminara seu chá e, por muito pouco, não o jogara na sua “assistente”, Michelle, Micaela, ou algo do tipo. A controversa e obscura agente da NCA já estava do lado de fora da delegacia que iria encontrar com o outro agente. Vestida com um sobretudo cinza de largos botões pretos, de um excelente e fino tecido de costura impecável, agasalhada por um chique cachecol de cores frias, vestindo luvas de couro negro que acompanhavam suavemente o contorno de suas mãos, calçada com longas botas de semelhante couro, as quais tinham um salto ligeiramente exagerado para o tipo de trabalho que executava e trajando calças também da cor preta - todos esses itens de caras e famosas marcas de luxo, bem como seu clássico relógio de outro branco no pulso esquerdo – Annabel aguardava em pé, encostada ao lado da entrada da delegacia.
Invejavelmente mais velha do que aparenta ser, a Sra. Stirling esboça outro traço intrigante nesse poço de mistérios. É o peculiar e evidente fato de apresentar um poder aquisitivo notavelmente maior do que o comum para qualquer agente de qualquer agência ou força policial do Reino Unido e não fazer questão alguma de esconder ou amenizar tal discrepância. Talvez os anos como modelo lhe renderam algo ou talvez seja mero fruto das capacidades matemáticas e financeiras, supõe os curiosos. Talvez outras coisas, arriscam-se, em outros pensamentos, os mais incomodados.
Esperou o agente passar; sabia quem ele era. Aguardou alguns minutos lá fora para finalmente entra na delegacia. O seu olhar era de causar desgosto em qualquer um que a encarasse. Alguns criminosos tinham menos desprezo por aquele lugar do que Annabel. Acostumada com seu confortável e de alto grau tecnológico escritório de ciber-investigação e informação, higienizado de maneira hipocondríaca e de organização digna de um transtorno obsessivo compulsivo, entrar naquela delegacia, no meio da plebe da Polícia da Escócia e dos agentes da NCA que ficavam por ali, era repugnante para ela. Contudo, não era a primeira vez que entrara ali e somente a sua evidente soberba já era o suficiente para denunciar sua identidade. Passou pela recepcionista sem sequer fitar seu rosto. Ignorou tudo e todos até chegar à mesa do tal do agente Minas. Sem se desfazer de seus acessórios e agasalhos – não ousaria apoia-los naquele antro de gente imunda – parou de frente para a mesa do agente.
▬ Eu me pergunto todo dia como seria o efetivo da NCA se proibissem o consumo disso. ▬ Disse, olhando com aversão para o café pobre do agente. ▬ Temos uma sessão de cinema para assistir. Espero que tenha reservado bons acentos. ▬ Proferiu com seu jeito único de ser desprezível, jogando o envelope com as gravações das câmeras na mesa de Minas, ignorando qualquer coisa que ele estivesse fazendo.