Era tarde da noite naquele pacato bairro suburbano. O último vento morno de verão batia nos bem cuidados bordos, levando embora algumas folhas amareladas. Quase invisível em meio às residências, uma casinha escondida pelo mato portava uma placa, que rangia sobre a porta de madeira. Nela lia-se "Caminho das Chaves".
Eram poucos os que visitavam a pequena loja de antiguidades da madame Shacklehorn, pois sua estranha clientela, junto com a fixação que a velha senhora tinha por chaves, espantavam a maioria das pessoas.
Um gato pardo salta de um galho para uma pequena janela, mais ou menos na mesma hora que um carro estaciona em frente ao local. Segundos depois um sino indica que um cliente havia entrado na loja.
O homem de terno preto olha com interesse para as centenas de chaves balançando no ar, penduradas por fios que mais pareciam teias de aranha. O cheiro de madeira velha e ferro enche suas narinas. Ele estende a mão para uma chave ao lado de sua cabeça, quando uma porta se abre e uma senhora de cabelos brancos entra, usando pantufas e ainda amarrando o roupão púrpura em torno da cintura. Quase tropeça no gato aos seus pés, então se dirige ao visitante.
- Sinto muito, mas eu não atendo ninguém tão tarde, a menos que tenha hora marcada. - Ela não se preocupa em esconder o tom de reprovação, mas o homem não parece notar. Parece quase entediado quando pergunta - A senhora é Abgail Shacklehorn? - Quando ela concorda, o homem levanta sua prancheta e continua de maneira monótona - Abgail Shacklehorn, 130 anos, visitante, bruxa-de-chifre... -
- Nós preferimos o termo Sidhe. - A velha, agora com feições deformadas e dois chifres em forma de grilhões na cabeça, estava visivelmente irritada - Conheço seu tipo. O que querem aqui? - O homem do meio, pois agora eram três, baixa a prancheta e olha para a criatura, sem alterar sua atitude burocrática - Os seus serviços devem ser finalizados. -
A bruxa fica em silêncio por longos segundos, surpresa. Finalmente seus olhos se voltam para o gato se esfregando em sua perna, e ela pega o animal - Entendo. É melhor se prepararem, não será fácil. -
Quando o primeiro dos cinco homens avança, ele cai em instantes com as presas do gato, agora uma besta do tamanho de um lobo, perfurando seu pescoço. Ao mesmo tempo, outros dois homens apareciam das sombras para se juntar à luta.
Naquela noite, várias pessoas da vizinhança acordaram com o som de gatos brigando, ou talvez fosse um cachorro grande. Levaria vários dias antes de alguém perceber que aquela estranha senhora, dona da loja de antiguidades, havia desaparecido.
Caminho das Chaves
~ Uma imensa besta corria contra você, girando um enorme tronco como se fosse um bastão. Você se abaixa e salta para o lado, deixando que a estranha mata ao redor levasse o estrago no seu lugar. A criatura cor de musgo se volta na sua direção e ergue a arma improvisada, mas dessa vez você pula no pescoço do inimigo antes que ele pudesse atacar. Os dois se engalfinham, e a destruição que causam é terrível, mas por fim você se levanta sobre o corpo do monstro, enche os pulmões e lança um urro aos céus, declarando sua vitória. ~
Christopher Knight acorda de um pulo, assustado. Sua irmã batia na porta do quarto, gritando para ele se aprontar para o colégio. O garoto solta um gemido. Preferia ter que enfrentar o monstro do sonho do que ir para a escola.
Charlotte Knight já se encontrava na pequena cozinha do sobrado, preparando ovos para ela e o irmão, usando um avental por cima do uniforme. Se algum dos seus colegas a visse daquele jeito, ela se mataria. Ou, mais provavelmente, mataria o colega. Mas não havia muita alternativa, não podia sujar o uniforme, e se deixasse para se vestir depois de comer, se atrasaria para a aula.
A adolescente lança um olhar rancoroso para a tia, sentada à mesa, assistindo letargicamente ao jornal da manhã no televisor a tubo, de apenas 14 polegadas. A irmã de seu pai, Elle, nunca ajudava na casa, não sabia cozinhar e mal prestava atenção à ela e ao irmão. Na maior parte do tempo era como se eles nem existissem, e por isso Charlotte teve que aprender a cuidar de si mesma e de Christopher muito cedo, depois que os pais morreram no acidente de avião.
Quando Christopher desce as escadas, encontra sua tia e sua irmã já à mesa. Charlotte joga um prato com torrada e ovos à sua frente e reclama que ele está atrasado. Enquanto comem, o pequeno homem do telejornal diz que o dia estaria encoberto, com chuvas localizadas ao anoitecer. Era a mesma previsão que havia dado durante toda a semana. Ainda era apenas o começo do outono, e as tempestades de verão persistiam, apesar de já estar começando a esfriar. Provavelmente seria uma boa ideia vestir uma blusa antes de sair de casa.
O noticiário segue com o sumiço de uma velha em Farnborough, e então com uma reportagem sobre a praga nas plantações de cebola. Pouco depois os irmãos desciam apressados pela rua, em direção ao colégio, sem se dar conta de que sua tia os observava por uma janela do segundo andar.
Christopher Knight acorda de um pulo, assustado. Sua irmã batia na porta do quarto, gritando para ele se aprontar para o colégio. O garoto solta um gemido. Preferia ter que enfrentar o monstro do sonho do que ir para a escola.
Charlotte Knight já se encontrava na pequena cozinha do sobrado, preparando ovos para ela e o irmão, usando um avental por cima do uniforme. Se algum dos seus colegas a visse daquele jeito, ela se mataria. Ou, mais provavelmente, mataria o colega. Mas não havia muita alternativa, não podia sujar o uniforme, e se deixasse para se vestir depois de comer, se atrasaria para a aula.
A adolescente lança um olhar rancoroso para a tia, sentada à mesa, assistindo letargicamente ao jornal da manhã no televisor a tubo, de apenas 14 polegadas. A irmã de seu pai, Elle, nunca ajudava na casa, não sabia cozinhar e mal prestava atenção à ela e ao irmão. Na maior parte do tempo era como se eles nem existissem, e por isso Charlotte teve que aprender a cuidar de si mesma e de Christopher muito cedo, depois que os pais morreram no acidente de avião.
Quando Christopher desce as escadas, encontra sua tia e sua irmã já à mesa. Charlotte joga um prato com torrada e ovos à sua frente e reclama que ele está atrasado. Enquanto comem, o pequeno homem do telejornal diz que o dia estaria encoberto, com chuvas localizadas ao anoitecer. Era a mesma previsão que havia dado durante toda a semana. Ainda era apenas o começo do outono, e as tempestades de verão persistiam, apesar de já estar começando a esfriar. Provavelmente seria uma boa ideia vestir uma blusa antes de sair de casa.
O noticiário segue com o sumiço de uma velha em Farnborough, e então com uma reportagem sobre a praga nas plantações de cebola. Pouco depois os irmãos desciam apressados pela rua, em direção ao colégio, sem se dar conta de que sua tia os observava por uma janela do segundo andar.
Última edição por Corvo em 06/02/16, 08:17 am, editado 1 vez(es)